Procrastinação e o monstro invisível da Lei Seca


Acho que todos concordamos: estudar para concurso não é uma tarefa fácil e nem muito agradável. Mas quando o assunto é lei seca, o negócio vira quase um castigo divino. Seca no nome e no conteúdo. A maioria dos concurseiros começa o dia motivado, muitos planos na mente, café na veia... e termina assistindo vídeo de cachorrinho no Instagram. Por quê?

A resposta geralmente é: procrastinação.

Não é preguiça pura. É mais sofisticado que isso. A procrastinação nos estudos jurídicos, especialmente na leitura da lei seca, é um mecanismo de fuga do cérebro.

Você acorda. Caneta na mão, edital na cabeça. Pensa: “Hoje vai!”. Separa os materiais, abre o Vade Mecum digital… e nada. Vinte minutos olhando pro caput do artigo 1º como se ele fosse um enigma alienígena. Aí vem as distrações. Quando percebe, o dia passou e você leu meia dúzia de artigos — com zero retenção. Clássico.

Estudar para concurso é guerra psicológica. E no centro do campo de batalha, está ela: a famigerada lei seca. Não tem colorido, não tem comentário, não tem graça. Só a letra fria da norma, exigida na íntegra por 11 em cada 10 bancas. O seu, o meu, o nosso cérebro odeia isso.

Por que a procrastinação ataca forte quando o assunto é lei seca?

Porque o conteúdo é repetitivo, maçante e sem apelo visual. A mente moderna, acostumada com reels e stories de 10 segundos, entra em pânico quando vê um artigo com dois parágrafos e algumas alíneas. Não tem recompensa rápida, não tem narrativa, não tem emoção. O cérebro grita: foge!

Só que fugir da lei seca é fugir da aprovação.

Uma alternativa moderna que tem sido apresentada são os materiais “enxarcados” de conteúdo destinado a “animar” a leitura. Cuidado! São tabelas, mapas mentais, teses, trechos da juris, resumos, figuras, esquemas, vídeos-aula, esquematizados, simplificados etc. E a lei seca? Você nem percebeu, mas ela acabou de ficar em segundo ou terceiro plano. Logo você terá que consumir outro e mais outro desses.

“Mas eu juro que quero ler a letra da lei!”
Eu sei. E aí entra a chave da questão: não é falta de vontade. É um mecanismo de autodefesa mental que muitos não conseguem vencer. O nome bonito disso é aversão à tarefa cognitiva dissonante. Em português claro: seu cérebro se recusa a fazer o que parece inútil, desconfortável ou sem prazer imediato.

Como sair dessa armadilha mental?

Aqui vão estratégias realistas, testadas por quem já experimentou toda essa dor:

  1. Micro metas ridículas.
    Ao invés de “vou ler o Código Civil todo hoje”, diga: “vou ler 3 artigos agora”. Cumpriu? Ganha um minuto no TikTok. Depois volta. Ou melhor ainda, tenha um sistema que te estimule a cada passo. Cada artigo lido é um tijolo na parede, uma meta cumprida, um up na barra de evolução. Parece pouco, mas seu cérebro ama recompensa.
  2. Leitura ativa é vida.
    Não leia como quem lê bula de remédio. Mescle formas distintas de leitura, como ponto a ponto, leitura guiada ou associada ao áudio. Conte com palavras destacadas, apontamento dos artigos mais relevantes e preenchimento de lacunas. Fale em voz alta, escreva à mão os termos-chave. Ativando mais sentidos, você dribla o tédio.
  3. Use a lei seca com questões.
    Faça a leitura da lei e depois reforce com questões direcionadas. Então, perceba o desempenho. Errou, retorne à lei seca. É leitura com propósito. Isso dá sentido e contexto, o que é um tapa na cara da procrastinação.
  4. Rotina blindada.
    Tenha horário fixo pra leitura da lei seca. Não é quando der vontade. É igual escovar os dentes: se você esperar estar inspirado, vai perder os dentes (e a aprovação). Essa rotina não precisa ser, necessariamente, em um ambiente perfeito. Por exemplo, se você leva sua filha na natação ou na ginástica, crie o hábito de ler a lei enquanto espera.
  5. Aceite que vai ser chato mesmo.
    Não romantize. Vai doer. Vai ser entediante. A aprovação tem um custo — e a galera que passa é a que paga sem dó. Leitura da lei seca não é sobre gostar. É sobre suportar.

No fim das contas, a letra da lei é o grande filtro do concurso. Nem todos estão dispostos a digeri-la. Você não precisa amar a lei seca. Mas precisa aprender a engolir a seco


Chandler Galvam Lube

Aprovado para Promotor de Justiça

Mestre em Direitos e Garantias Constitucionais

Idealizador do Lexlege


Acesse: lexlege.com.br

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